A primeira imagem que se configura na passarela limpa e sem
cenário do desfile de João Pimenta na São Paulo Fashion Week é impactante,
apesar de não ser inovadora. Um menino de longas madeixas escuras com rosto de
menina anda timidamente como quem não é modelo há muito tempo. Ele nos lembra
das raízes do trabalho do estilista que começou na Casa de Criadores, evento que envolve profissionais jovens que podem explorar mais possibilidades criativas. Nessa época, Pimenta ficou conhecido
por trabalhar com elementos da androgenia. Vestidos, saias e tantos outros
recursos, como bordados e transparências, feminilizavam a imagem final das
roupas produzidas por João.
Desde que entrou no SPFW, ele tem tomado rumos menos
radicais em relação a isso. Aproximou-se da alfaiataria de modo a se
tornar um amante dela. Atualmente, ela é o ponto de partida da maioria de suas
coleções. Contudo, o flerte ainda é instável e experimental. Em um momento, ele
conversa com os malandros dos anos 1930, em outro com a nobreza da Idade
Moderna. Às vezes, os meninos vão para o seminário, em outro, são flores diáfanas e sexuais. O estilista perpassa por
esses temas desdobrando sua alfaiataria, já mencionada, cuja técnica evolui coleção
após coleção. Ele desenvolve a maioria dos tecidos utilizados no desfile. Sendo
assim, seu trabalho não se limita a um estudo das proporções, as texturas
também são muito importantes para a força da composição como um todo.
João tem o aparato estrutural para produzir coleções instigantes. Contudo, o problema que se apresenta é conceitual. A androgenia
que regia/direcionava seu trabalho foi esquecida ou deixada de lado em várias
coleções. Deste modo, os desfiles que se seguiram perderam o rumo para o
experimentalismo. João passa por tantos temas e de tantas maneiras que acaba elipsando
o seu estilo. Não se sabe mais o que esperar dele. Ele não tem mais uma base
sólida na qual se apoiar. As novas propostas dirigem-se a tudo e, por isso
mesmo, a ninguém.
De certa forma, essa é uma questão que enfrentam os iniciantes. É uma saga pela qual se precisa passar. Experimentar, testar e
checar o que funciona, o que faz parte deles de maneira mais profunda como estilistas e descobrir o que são devaneios momentâneos. Separar o joio do
trigo. Na Casa de Criadores há espaço para isso, mas em
uma semana com as proporções do SPFW, espera-se que essa fase de experimentação
tenha passado.
Tal ponto não deve ser entendido como um freio à liberdade de
criação. Pelo contrário, é um estímulo ao exercício dela. Um estilista
consistente repete em suas coleções o mesmo argumento de estilo, mas, em cada
uma delas, de maneira diferente. É aqui que a criatividade entra em jogo.
Como sustentar o essencial?
Quanto ao ultimo desfile, o surf se infiltra na alfaiataria
de João Pimenta. Amálgamas entre uniforme de mergulho e terno preencheram a
passarela do estilista para o Verão 2015. As texturas, cortes e proporções
vieram novamente reinventados no intuito diminuir a distância do escritório até
a praia. A androgenia transpareceu em alguns momentos, mas nada tão assertivo como no começo de sua carreira. O resultado foi uma imagem de moda
contemporânea, interessante e jovem. Ao término do desfile fica o desejo de que
João siga nesse caminho e transforme em realidade a promessa que ele já foi.
PARA LER OUVINDO
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