Valley of the Dolls virou um clássico-retrô por causa de seu
conteúdo facilmente relacionável – carreira, moda, beleza, poder, vingança,
amor. Ao seu lado estão, por exemplo, os aclamados O Diabo Veste Prada e Os
delírios de consumo de Becky Bloom. Histórias que poderiam cair na
trivialidade se tornaram cult pela
imagem sincera que transmitem de alguns
universos ‘femininos’.
Comecei a ler o livro no final de
dezembro sem saber exatamente sobre
o que se tratava. Impulsionada apenas e exclusivamente pelas referências
Marinescas (adj. Referente à Marina & the Diamonds), que fez a música Valley of the Dolls, o livro foi um
mergulho. A temática poderia virar frufru (aka ingênua) na virada de duas
páginas: três mulheres encontram-se em NY em busca de uma carreira bem
sucedida. Neely O’Hara quer ser uma estrela Broadway, Jennifer North é mais
bela do que boa atriz, e Anne Welles é a garota do interior que foi para a
cidade grande. A temática também poderia virar trash em mais quatro viradas de
página: as três, em algum momento da vida, começam a tomar remédios para dormir
– as Dolls, ou Bonecas - e vão se
viciando aos poucos.
Porém, há um plot twist para cada
uma das personagens. Jacqueline Susann escreve no prólogo do livro “Essas três
mulheres viram melhores amigas quando são jovens e enquanto estão tendo
dificuldades em Nova York. Elas sobem até o topo da indústria do entretenimento
– apenas para descobrir que não há mais lugar algum para ir além do Vale das
Bonecas.” Após as adversidades da vida, as três conseguem o que querem: uma
ótima carreira, um bom pagamento, um amor. Aí perdem tudo – uma é internada
numa instituição mental, a outra perde o amor de sua vida, a outra perde a
carreira. Para então conseguirem tudo novamente, só que de uma forma deformada.
(Spoiler: Jennifer se suicida e tem
sua beleza imortalizada. Neely vira a maior estrela de Hollywood, enlouquecendo
e roubando o namorado da melhor amiga, e Anne finge que não sabe das traições
de seu marido).
O livro é considerado protofeminista – a necessidade de uma
emancipação feminina é claramente um tema. Quando Anne sai de sua cidade, ela
foge de um casamento arranjado, para chegar em NY e se deparar com um
patriarcado muito maior: dependência financeira dos homens com cargos
executivos (o que era o contrário do que ela buscava), já que mulheres
conseguiam vagas de secretárias ou carreiras que exploravam sua beleza. A
presença das imagens sexuais – frias e diretas – é um tapa na cara da
sociedade literária da época, aparecendo cru na narrativa. O livro também
transita pela política estadunidense e pela viciosa economia capitalista que se
transforma com o surgimento da televisão, fazendo a sociedade de consumo bater
em cada porta e se intrometer em cada relação existente e dizer: ei, você é uma
moeda de troca. Só por essas questões, Valley of the Dolls já teria feito por
merecer um lugar especial na estante. Porém, a temática que considero mais
importante, que faz ela ser atemporal (e que Marininha percebeu e transferiu em
sua música), é o vazio. Como disse
Susann, elas conseguiram tudo que queriam, mas um incômodo, uma sensação de que
ainda havia algo mais, assombra praticamente todas as personagens – masculinas
e femininas. A modernidade garante a atualidade da temática? Pode ser. Podemos
viajar, ter a carreira que escolhermos, milhares de opções de ideologias, até a
paz de espirito é vendida em spas. Parece que temos tudo ao nosso alcance
quando na verdade não temos nada (A famosa praça de alimentação de shopping:
temos tudo pra comer, tudo é oferecido como a escolha certa, o mais gostoso, o
caminho mais rápido pra satisfação). O vazio com o qual o livro se depara é um
abismo existencial. O que realmente queremos? Qual é o significado do que
queremos? Será que queremos o que queremos ou somos induzidos a ter nossos
desejos? E quando a gente consegue o que quer, o que acontece depois? Perguntas
que o livro nem se atreve a responder, mas que ficam ali, pairando na nuvem
niilista da existência.
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