segunda-feira, 7 de abril de 2014

NO VALE DAS BONECAS


Valley of the Dolls virou um clássico-retrô por causa de seu conteúdo facilmente relacionável – carreira, moda, beleza, poder, vingança, amor. Ao seu lado estão, por exemplo, os aclamados O Diabo Veste Prada e Os delírios de consumo de Becky Bloom. Histórias que poderiam cair na trivialidade se tornaram cult pela imagem sincera que transmitem de alguns universos ‘femininos’.

Comecei a ler o livro no final de dezembro sem saber exatamente sobre o que se tratava. Impulsionada apenas e exclusivamente pelas referências Marinescas (adj. Referente à Marina & the Diamonds), que fez a música Valley of the Dolls, o livro foi um mergulho. A temática poderia virar frufru (aka ingênua) na virada de duas páginas: três mulheres encontram-se em NY em busca de uma carreira bem sucedida. Neely O’Hara quer ser uma estrela Broadway, Jennifer North é mais bela do que boa atriz, e Anne Welles é a garota do interior que foi para a cidade grande. A temática também poderia virar trash em mais quatro viradas de página: as três, em algum momento da vida, começam a tomar remédios para dormir – as Dolls, ou Bonecas - e vão se viciando aos poucos.



Porém, há um plot twist para cada uma das personagens. Jacqueline Susann escreve no prólogo do livro “Essas três mulheres viram melhores amigas quando são jovens e enquanto estão tendo dificuldades em Nova York. Elas sobem até o topo da indústria do entretenimento – apenas para descobrir que não há mais lugar algum para ir além do Vale das Bonecas.” Após as adversidades da vida, as três conseguem o que querem: uma ótima carreira, um bom pagamento, um amor. Aí perdem tudo – uma é internada numa instituição mental, a outra perde o amor de sua vida, a outra perde a carreira. Para então conseguirem tudo novamente, só que de uma forma deformada. (Spoiler: Jennifer se suicida e tem sua beleza imortalizada. Neely vira a maior estrela de Hollywood, enlouquecendo e roubando o namorado da melhor amiga, e Anne finge que não sabe das traições de seu marido).

O livro é considerado protofeminista – a necessidade de uma emancipação feminina é claramente um tema. Quando Anne sai de sua cidade, ela foge de um casamento arranjado, para chegar em NY e se deparar com um patriarcado muito maior: dependência financeira dos homens com cargos executivos (o que era o contrário do que ela buscava), já que mulheres conseguiam vagas de secretárias ou carreiras que exploravam sua beleza. A presença das imagens sexuais – frias e diretas ­– é um tapa na cara da sociedade literária da época, aparecendo cru na narrativa. O livro também transita pela política estadunidense e pela viciosa economia capitalista que se transforma com o surgimento da televisão, fazendo a sociedade de consumo bater em cada porta e se intrometer em cada relação existente e dizer: ei, você é uma moeda de troca. Só por essas questões, Valley of the Dolls já teria feito por merecer um lugar especial na estante. Porém, a temática que considero mais importante, que faz ela ser atemporal (e que Marininha percebeu e transferiu em sua música), é o vazio. Como disse Susann, elas conseguiram tudo que queriam, mas um incômodo, uma sensação de que ainda havia algo mais, assombra praticamente todas as personagens – masculinas e femininas. A modernidade garante a atualidade da temática? Pode ser. Podemos viajar, ter a carreira que escolhermos, milhares de opções de ideologias, até a paz de espirito é vendida em spas. Parece que temos tudo ao nosso alcance quando na verdade não temos nada (A famosa praça de alimentação de shopping: temos tudo pra comer, tudo é oferecido como a escolha certa, o mais gostoso, o caminho mais rápido pra satisfação). O vazio com o qual o livro se depara é um abismo existencial. O que realmente queremos? Qual é o significado do que queremos? Será que queremos o que queremos ou somos induzidos a ter nossos desejos? E quando a gente consegue o que quer, o que acontece depois? Perguntas que o livro nem se atreve a responder, mas que ficam ali, pairando na nuvem niilista da existência.





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