Ao
ler qualquer livro de Jonathan Franzen, uma sensação um pouco perturbadora toma
conta de qualquer leitor que não seja absolutamente passivo a obra: Franzen
escava a vida de seus personagem com mais coragem do que nós somos capazes de
ter para olhar o nosso interior. Além disso, ainda é capaz de levar em
consideração todo o contexto social que envolve as vidas das pessoas de dentro
de suas narrativas. Ele as coloca no centro de polêmicas borbulhantes mundo
afora e descreve o ambiente não apenas como um cenário, mas sim como um agente
ativo na composição da psique de cada um deles.
As Correções foi lançado em 2001 e, fala
sobre assuntos universais e atemporais. Apesar de ter alguns elementos
cientificistas, o romance de proporções épicas (583 páginas) traz essas
referências para expor os problemas decorrentes da vida em família praticamente
institucionalizada na sociedade dita “livre” dos Estados Unidos. Alfred e Enid
Lambert moram em Saint Jude, uma cidadezinha pacata. Cada um de seus filhos
tomou um rumo específico longe do universo no qual foram criados. Alfred é o
velhinho mais teimoso e ranzinza do mundo, enquanto Enid faz o papel da
submissa. Contudo, quando se trata de relacionamento de Enid e Denise, sua
filha, ela é que se torna a repressora. Chip e Gary são os outros dois filhos.
Gary alcançou sucesso na vida amorosa e profissional, mas Chip, mesmo falido e
quase criminoso ainda é o preferido de seu pai.
Franzen
mergulha no mundo de cada um desses personagens. A impressão é que sabemos mais
deles do que eles gostariam que soubéssemos. O autor revela os segredos e seu
discurso se aproxima da linguagem e dos sentimentos de seus personagens quando fala
sobre eles. Ao mesmo tempo que ele nos constrange por colocar tudo isso
escancarado, nos mostra, através daquelas histórias bizarras, pedaços de nós
que não temos coragem de encarar. Por isso, se identificar com qualquer um dos
personagens desse romance é perceber que escondida por trás da normalidade que
aparentamos, existe algo de mais volúvel, incontrolável e animalesco.
Independente
do estilo da narração de Franzen, As
Correções é também um ensaio enorme sobre a dinâmica familiar e a ligação
que essas relações tem com o reprimir e ser reprimido. Através da história longa
e detalhada desses personagens médios, mas sinceros e abertos, fica muito claro
para o leitor o quanto a repressão é inerente a existência da família. Quando
há rebeldia, revolta ou mudança, a instituição se desestabiliza e para voltar a
“normalidade”, só existe uma solução: corrigir.
O epicentro
da repressão é Alfred, mas é a delicada descentralização que o autor faz dessa
repressão que torna o romance tão perturbador. Na realidade, cada um deles,
mesmo que reprimidos, tem um potencial de ser tão agressivos e ditatoriais
quanto a figura estereotípica do patrono.
É muito impressionante ver a violência que existe na
convivência e na intimidade entre seres humanos. No fundo, parece que viver nos
auspícios do “amor” da família é um processo longo e dolorido de perder a si
mesmo, de se desfazer do que se é. Cada implicância com detalhes desimportantes,
cada frase com um tom passivo-agressivo parece ser uma apunhalada nesses
personagens que levam consigo, e em suas histórias, as cicatrizes dos golpes
que sofreram. Os diálogos – ponto forte da escrita de Franzen – é que fazem com
que essas feridas se abram. Sabemos o que os personagem dizem, mas o autor
insere por entre as falas o que eles verdadeiramente estão sentindo e pensando
enquanto a conversa acontece. Sendo assim, descobrimos o cinismo e a falsidade que
cada um deles oferece em resposta as correções.
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