quarta-feira, 19 de março de 2014

FAMÍLIA E REPRESSÃO



Ao ler qualquer livro de Jonathan Franzen, uma sensação um pouco perturbadora toma conta de qualquer leitor que não seja absolutamente passivo a obra: Franzen escava a vida de seus personagem com mais coragem do que nós somos capazes de ter para olhar o nosso interior. Além disso, ainda é capaz de levar em consideração todo o contexto social que envolve as vidas das pessoas de dentro de suas narrativas. Ele as coloca no centro de polêmicas borbulhantes mundo afora e descreve o ambiente não apenas como um cenário, mas sim como um agente ativo na composição da psique de cada um deles.




As Correções foi lançado em 2001 e, fala sobre assuntos universais e atemporais. Apesar de ter alguns elementos cientificistas, o romance de proporções épicas (583 páginas) traz essas referências para expor os problemas decorrentes da vida em família praticamente institucionalizada na sociedade dita “livre” dos Estados Unidos. Alfred e Enid Lambert moram em Saint Jude, uma cidadezinha pacata. Cada um de seus filhos tomou um rumo específico longe do universo no qual foram criados. Alfred é o velhinho mais teimoso e ranzinza do mundo, enquanto Enid faz o papel da submissa. Contudo, quando se trata de relacionamento de Enid e Denise, sua filha, ela é que se torna a repressora. Chip e Gary são os outros dois filhos. Gary alcançou sucesso na vida amorosa e profissional, mas Chip, mesmo falido e quase criminoso ainda é o preferido de seu pai.

Franzen mergulha no mundo de cada um desses personagens. A impressão é que sabemos mais deles do que eles gostariam que soubéssemos. O autor revela os segredos e seu discurso se aproxima da linguagem e dos sentimentos de seus personagens quando fala sobre eles. Ao mesmo tempo que ele nos constrange por colocar tudo isso escancarado, nos mostra, através daquelas histórias bizarras, pedaços de nós que não temos coragem de encarar. Por isso, se identificar com qualquer um dos personagens desse romance é perceber que escondida por trás da normalidade que aparentamos, existe algo de mais volúvel, incontrolável e animalesco.

Independente do estilo da narração de Franzen, As Correções é também um ensaio enorme sobre a dinâmica familiar e a ligação que essas relações tem com o reprimir e ser reprimido. Através da história longa e detalhada desses personagens médios, mas sinceros e abertos, fica muito claro para o leitor o quanto a repressão é inerente a existência da família. Quando há rebeldia, revolta ou mudança, a instituição se desestabiliza e para voltar a “normalidade”, só existe uma solução: corrigir.

O epicentro da repressão é Alfred, mas é a delicada descentralização que o autor faz dessa repressão que torna o romance tão perturbador. Na realidade, cada um deles, mesmo que reprimidos, tem um potencial de ser tão agressivos e ditatoriais quanto a figura estereotípica do patrono.


É muito impressionante ver a violência que existe na convivência e na intimidade entre seres humanos. No fundo, parece que viver nos auspícios do “amor” da família é um processo longo e dolorido de perder a si mesmo, de se desfazer do que se é. Cada implicância com detalhes desimportantes, cada frase com um tom passivo-agressivo parece ser uma apunhalada nesses personagens que levam consigo, e em suas histórias, as cicatrizes dos golpes que sofreram. Os diálogos – ponto forte da escrita de Franzen – é que fazem com que essas feridas se abram. Sabemos o que os personagem dizem, mas o autor insere por entre as falas o que eles verdadeiramente estão sentindo e pensando enquanto a conversa acontece. Sendo assim, descobrimos o cinismo e a falsidade que cada um deles oferece em resposta as correções.


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