Quando se começa a tentar entender a concepção da palavra
“estilo” dentro do microcosmos da moda, o primeiro nome e, por sinal, o mais
clichê que nos vem a cabeça é imediatamente o de Gabrielle Bonheur Chanel.
Talvez a francesa mais importante para a história da Alta Costura, ela ajudou –
com o desenvolvimento de seu trabalho sólido e pretensioso como estilista e
costureira durante grande parte do século XX – a definir o que é essa palavra
tão batida atualmente por revistas, sites e outras diversas plataformas de
comunicação.
A moda é, para ela, a frivolidade das temporadas que levam e
trazem tendências líquidas que escorrem por aqui e depois se evaporam para,
talvez em um futuro, se condensar no ar e chover por sobre o estilo de novo. O
estilo é a base firme que sustenta essas regalias da moda. O estilo é o
trabalho artesanal e intelectual de se criar algo que se torne uma parte
inerente de si: elementos que remetam imediatamente a obra de um grande estilista.
O vestido preto, as primeiras calças, a mistura de joias com bijuterias, os
primeiros esboços de androgenia, a camiseta de marinheiro, tudo isso remete
imediatamente a Chanel. Esse conjunto de elementos foram o seu estilo. Tudo
isso se resume em uma daquelas máximas proferidas por Chanel também
demasiadamente batidas pela mídia, mas que, ainda assim, carrega um peso
parecido com o da verdade: a moda passa, o estilo permanece o mesmo.
E é a partir desse conceito que eu me pergunto qual é a
função de um estilista que, nos dias de hoje, topa o desafio de levar nos seus
ombros o fardo de recriar, estação após estação, novas ideias para grandes e
antigas maisons da Alta Costura. Observando a situação através dos olhos dos
conglomerados de empresas enormes, a resposta a essa pergunta fica muito clara:
fazer de das tripas coração para preservar o valor histórico atribuído aquela
marca e vender novas roupas. Contudo, seria um estilista – ou seja, aquela
pessoa que cria, cuida e preserva um estilo próprio e único – o profissional
perfeito para esta tarefa? Se um estilista, durante sua trajetória independente
obteve sucesso na construção de seus ideais imagéticos singulares, seria ele
capaz de se inserir na história preciosa de uma maison tradicional e a reinventar?
O estilista verdadeiro vai trazer, invariavelmente, consigo
aquilo que faz dele o que ele é. Independente do legado, mas com todo o
respeito, ele se posiciona audaciosamente e insere um novo olhar, uma nova
atitude para uma marca que soube perfeitamente bem como capturar o zeigeist de
alguma década sortida do século XX, mas que, hoje, ainda não encontrou esse
mesmo espírito de tempo e o tomou para si. Ele vai adicionar novos “clássicos”
para a concepção de estilo daquela marca. Novos elementos seriam aglomerados
aquele conjunto deles que remete imediatamente a uma maison.
É nesse parágrafo que toda a pretensão desse texto se
revela. Karl Lagerfeld, o dito kaiser da
moda, faz isso? Acompanhando as coleções desse, convenhamos, talentosíssimo imagemaker e costureiro pode-se perceber
que talvez, na função específica de estilista, o grande Karl tenha falhado.
Quais são os novos clássicos da Chanel? O que a Chanel atualmente tem que
permeie todas as suas coleções a não ser o que já era, desde os anos 1940 (talvez)
já consolidado? Provavelmente, muito pouca coisa. O processo criativo de Karl
está ligado a uma ampla e profunda – por mais paradoxal que isso possa parecer
– pesquisa imagética e conceitual em cima de um tema a sua escolha. As vezes é
a cultura dos cowboys, em outras o império bizantino, e talvez até mesmo o
mundo glacial. Essa pesquisa primorosa se reflete em elementos que, na
singularidade de uma coleção, se sobrepõe aos clássicos Chanel. O tweed
disfarçado de esquimó, o sapato creme de bico preto com ornamentos de mosaicos
bizantinos, os vestidos em silhueta “H” com detalhes que remetem a escamas de
peixes... Nenhum desses exemplos é uma nova peça em sua essência. São um
patchwork de referências previamente pesquisadas coladas por sobre clássicos
que não o pertencem.
O trabalho de Lagerfeld é louvável em vários aspectos. Ele
tem um conhecimento absurdo de materiais e técnicas o que torna a roupa da
Chanel dos anos 2000 impecável em termos de costura e mão-de-obra. Ele consegue
dar a mesma importância hiperbólica a desfiles de meia-estação do que os
desfiles de temporadas oficiais, fazendo coleções com uma média de 80 looks. E,
por fim, e não menos importante: ele consegue criar hits – aos olhos do
mercado, perfeito. A nomenclatura kaiser
é compreensível. Ele é uma das poucas pessoas que consegue ainda fazer com que
a Alta Costura lucre. A Chanel é, com certeza, a marca mais lembrada quando se
pensa em luxo, mas isso acontece porque ele achou uma fórmula básica da qual
ele jamais se desapegará. Karl Lagerfeld é um grande imagemaker, ele constrói imagens vendáveis a exaustão com seus
desfiles performáticos, extensos e com cenários exagerados, mas, talvez, ele
não seja um grande estilista.
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