quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

THE GIRL OF "GIRLS"

CONTÉM SPOILERS

Recentemente, começou a terceira temporada da série “Girls” – que vai ao ar mundialmente pela HBO– e garantiu, novamente, a Lena Dunham – criadora, roteirista e diretora da série – uma nova estadia no foco dos holofotes da mídia especializada. Por essa razão ela saiu, como todas as garotas nessa situação, extremamente retocada na capa da última edição da principal revista de moda do mundo – a Vogue America, da consagrada diaba Anna Wintour. O debate, então, reacende:  Lena/Hannah – sua personagem alter-ego na série – é quem somos, nos representa, ou é, na verdade, quem gostaríamos de ser?


Ao mesmo tempo que o intuito da série parece ser o de mostrar o que é estar na faixa dos vinte anos de idade hoje em dia de uma forma menos idealizada, algumas escolhas de Lena nos levam ao seguinte questionamento: estamos nos identificando com os constrangimentos de Hannah ou estamos trocando de padrões sociais a serem alcançados? A partir do momento que ela estampa gloriosamente a capa da revista Vogue – que dita os parâmetros vigentes a serem seguidos – não estaria ela se tornando, gradativa e lentamente, um novo modelo a se almejar? Contudo, os embates e situações vividas por Hannah em seu cotidiano muito bem escrito por Lena são realmente muito mais próximos e realistas do que as fantasias de Sex and the City – série que serviu de base a ser desconstruída para a concepção de Girls. Note, o enredo é o mesmo: quatro garotas tentando viver em Nova Iorque.

Contudo, o sucesso de Sex and the City se deu porque adoraríamos viver aquelas vidas diferentes e distantes das nossas. A série vendia a vida perfeita que queríamos conquistar batalhando – o que parecia ser relativamente possível na época em que ela foi ao ar. É por isso que era tão prazeroso assistir àquelas  quatro garotas se tornando mulheres ricas e cheias de poder. Com uma economia menos otimista e uma nova cultura jovem em vigência, Girls parece se alinhar com os chamados hipsters que estão fazendo do Brooklin – bairro nova-iorquino onde a série se passa – se tornar a nova Manhattan. A catarse que acontece em Girls é menos pelo desejo em se tornar aquelas garotas, mas entender como que elas – sofrendo e se humilhando como a maioria de nós – consegue se manter sã – ou não, como acontece na segunda temporada na qual Hannah desenvolve um TOC ridiculamente constrangedor.

É evidente que os estereótipos ligados a cultura do luxo e da ostentação continuam muito fortes e não serão quebrados tão cedo. Porém, é interessante ver o pessimismo da nossa sociedade refletido nessa “queda” da dificuldade de ser uma garota-Vogue, ou seja, de ser o alguém idealizado. “Eu acho que sou a voz da minha geração, ou pelo menos alguma voz de alguma geração” é a frase célebre da personagem principal de Girls que sumariza esse sentimento de desencaixe sentimos em relação às histórias e figuras centrais da mídia e do entretenimento.


Mas, a missão não é fácil: como agradar um segmento da sociedade que possui uma cultura tão volátil, que se reinventa a cada dia no contexto da internet e do mundo globalizado? Lena – de maneira duvidosa, porém eficiente – encontrou uma solução. Fez da mudança de personalidade de seus personagens uma maneira de prender a audiência de pessoas que tentam incansavelmente entende-los, mas nunca conseguem. Adam, o namorado de Hannah, era gélido e ausente, mas se torna uma mistura de amável e bruto. Shoshana – destaque de roteiro e atuação em comédia, no caso da primeira temporada – era virgem e infantilizada e se torna dura e libidinosa. Jessa é uma das mais inconstantes, entra como a moderna inglesa “pra frentex”, termina a primeira temporada casada com um engravatado e vai parar numa clínica de reabilitação – lembra um pouco uma inconsequência típica de celebridades excêntricas e muito jovens tão comuns no imaginário social da atualidade. Esses personagens não crescem de maneira linear, seu crescimento é inconstante. São camadas da personalidade de cada um deles que são descobertas ao passar dos episódios da série.

Destaque também para um ponto ambíguo que se dá na segunda temporada. Quando Hannah começa a escrever para um blog – que, inexplicavelmente paga duzentos dólares por post – é passado para ela o seguinte lema: “the magic happens outside of your confort zone”. Isso leva a personagem a cometer uma série de atitudes estúpidas no intuito de apimentar sua vida – aparentemente sem nenhum sentido grandioso – o que retorna em forma de uma decepção atrás da outra e levam Hannah a uma superficial, porém divertida, insanidade.


A narrativa é egocêntrica, Lena vive suas histórias e as conta repaginadas através de uma personagem escrita, dirigida e criada por ela, ou seja, praticamente ela mesma com um outro nome. Mesmo assim, dois esforços são louváveis: conseguir viver essa idade nesse contexto com essa geração e ter tamanha lucidez e eloquência sobre seus próprios embates e aqueles que ela representa na série por uma sutil alteridade que aparece vez ou outra e conseguir conciliar os papéis de atriz, diretora e roteirista. A fotografia foge do glamour hollywoodiano e dos closes apelativos e o figurino é delicadamente estranho. A nudez também, por ser frequente, perde seu caráter quase ritualístico. Ela pode acontecer na série a qualquer momento: movimento audacioso, considerando que o corpo de Lena não é o típico padrão de sensualidade veiculado majoritariamente. Contudo, tem o interessante intuito de desmitificar algo na tela da televisão que é tão comum – e constrangedor – na vida real. O sexo no cinema e na televisão costumam ser muito plásticos e esterilizados: nada aparece e tudo é minuciosamente calculado. Lena nos deixa com o sabor especial da ocasionalidade que parece ser muito influenciada pela maneira que temos levado nossas vidas.

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